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Trabalho com TI, sou preocupado com questões ambientais.

1/27/2014

Mariana

24 de janeiro, 2014 por volta de 14 horas, aeroporto Santos Dumont, Rio.

Não tinha conseguido antecipar minha volta a Porto Alegre sem pagar 700 reais de diferença de tarifa. Então só embarcaria de volta prá terra ali pelas 19 horas.

Eu tinha saído as 6 de Porto Alegre e o cardápio da manhã tinha sido uma licitação pública em que a gente fica sentado numa mesa grande e redonda, junto com vários concorrentes, fingindo descontração. Depois havia almoçado com o concorrente com quem eu possivelmente disputaria o negócio, dependendo de uma decisão da comissão. O passo seguinte seria o prazo para impugnação por parte do perdedor. Neste clima fomos almoçar juntos sob o pretexto de “conhecer gente nova sempre é bom” e preenchemos o tempo num papo produzido sobre os pontos de mulheres mais gostosas no Rio, como se a expectativa pelo negócio fosse coisa secundária.

Depois o motorista do taxi que me trouxe para o aeroporto achava que era só ele que sabia que os políticos eram ladrões.

Eu tinha a pouco trocado minha fantasia de pingüim e meus sapatos pretos por um tênis que eu tinha lavado as pressas antes de sair de casa. Tinha feito isto num banheiro 1x1,2 mts do aeroporto, quente prá caramba e cujo ocupante anterior esquecera de dar descarga.

Documentos, computador, sapato e calculadora agora tudo bem socados e misturados dentro da mochila, eu tinha umas cinco horas de espera naquele calor e daria a vida por um cantinho, um colchonete ou um ar condicionado. Sem ninguém falando comigo.

Aí lembrei que tinham aqueles ônibus fresquinhos, que por 13 reais te levam até o fim da linha, não interessa aonde e depois voltam. Tem ar condicionado, tu sentas na janelinha e quem sabe sai até uma soneca.
Peguei um que vai costeando a praia até a Barra da Tijuca e sentei na janelinha da direita. Perfeito!! Eu contemplando o mar e vendo do lado de fora um monte de cariocas descoordenados, correndo feitos loucos de um lado para o outro sem eu ter nada a ver com isto.

Quando o meu espírito já bailava sobre as águas sinto a energia de um ser que aterriza a bunda do meu lado e já antes de se espraiar completamente, me dá um recado fatídico: Calllooooorrr!!!!
-Conversar era tudo o que eu não queria!
É, la fora ta quente, respondi curto, para não ser mal educado. Ótimo, sem “reply”. Mas depois de uns 17 segundos de um longo silencio percebi que a conexão não havia se desfeito. Novo comentário, criativo:
-Porto Alegre tá horrível !!!

Ela era dos pampas! Mas não era nenhuma gatinha.  Eu não tenho sorte em ônibus e aviões. Era uma senhora já um tanto idosa. Tinha um livro no colo. Fiquei louco para ler o título, mas temi que ela percebesse meu interesse e que isto acabasse em combustível prá mais papo.
Seguiu-se novo silêncio. Quando eu já tinha me reconectado com as gaivotas ela puxa um novo assunto:

-Eu adoro este barzinho! Será que aquele cantor ainda vem aqui?

Me remexi no acento mas me prometi que eu não iria desistir de ficar como quero . Afinal ela tinha acabado de provar que não regulava bem. Como eu iria saber de que cantor ela estava falando? Mas foi neste ponto que comecei a desconfiar de que algo não estava acontecendo segundo eu imaginava.
-Sim, parece legal o barzinho! Respondi, educado, mas cuidando para não deixar transparecer nenhum ponto de exclamação.

Como nas outras interpelações minhas, ela virava prá mim e ficava me olhando, compenetrada, sem dizer nada. Me observava.
Pensei....será que ela quer falar sozinha e sua expectativa é de que eu apenas escute? Ante o pequeno numero de opções disponíveis eu até marcaria esta. Mas o intrigante era que ela não parecia desregulada e não parecia querer me invadir. Ao contrário, era tranquila e parecia querer me dar a oportunidade de falar com ela.

Fiquei intrigado. Com vontade de espiar de novo o título do livro em seu colo. Parece que ela percebeu e moveu ligeiramente o livro. Talvez quisesse me facilitar a identificação. Virei imediatamente minha cabeça para o lado da praia e fiquei estático. Discutir um livro! Era só o que me faltava. Neste momento senti que o recado definitivo da minha antipatia estava dado.
A partir daí ninguém falou por um tempo.Nem eu nem ela. 

O ônibus parou.
-Chegamos!! Disse ela quebrando o silencio novamente. 
Aliviado por saber do final próximo da relação, procurei me redimir um pouco do meu espírito de bicho do mato e repliquei algo, tipo...”oh...sim, afinal chegamos”. Embora eu não tivesse entendido bem o “chegamos”.  Afinal, quem chegou foi ela, não eu!

Novamente, como que estranhando o meu comentário, ela interrompeu seu movimento de arrancar a bolsa do compartimento de cima e ficou me olhando, imóvel,  com um ar interrogativo. Novamente fiquei intrigado. Aí eu vi que gostei do jeito dela me olhar. Me ocorreu que talvez fosse a minha sensação de alivio, pelo fato de ela estar indo embora. Mas ela parecia querer conferir algo em mim antes de partir. E acho que eu também.

Neste momento, uma senhora que eu não tinha visto entrar levantou do acento à sua frente e a acordou da imobilidade:
-Vamos logo Mariana!!

-Só aí me dei conta de que Mariana não estava tentando falar comigo o tempo todo, mas com sua amiga da frente. 

Cheguei a pensar em dizer prá ela que da próxima vez eu me ofereceria para trocar de acento com sua amiga. De formas que as duas possam conversar tranquilas, sem que um louco ao seu lado se meta na conversa o tempo todo como eu tinha feito. Mas deixei assim.

Ela já estava do lado de fora, amparando com um ar de ternura os movimentos da sua amiga mais idosa, que havia viajado à sua frente.  Aí fui eu que a fiquei contemplando.  Tinha um extremo bom gosto em se vestir e de "mala" não tinha nada. Percebi que ela discretamente explicava para sua amiga a minha posição dentro do ônibus. Como quem diz: “depois te conto”!

Fingi que não percebi.
Foi assim minha relação com Mariana. Espero que tenha sido interessante pra ela também.

Não sei para onde ela foi nem ela sabe para onde eu fui. Só me arrependo de não ter lido o título daquele livro em seu colo. Se alguém encontrar a Mariana por aí, dá um alô, mostre este conto e diga que eu escrevi pra ela!