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Trabalho com TI, sou preocupado com questões ambientais.

8/29/2011

As Trapaças da Carla


Aconteceu na noite, em Porto Alegre. Na Cidade Baixa. 
Ainda pensava na conversa que tinha tido com o Pedro, num bar da Padre Chagas.  Ele estava animado com umas idéias que estava lendo num livro de auto ajuda e havia me repetido algumas passagens.
Mas eu estava inquieto e não prestei muita atenção.  Estava me culpando um pouco por tê-lo interrompido e ter dito que eu tinha que ir prá casa e agora eu estava entrando num outro barzinho, em Petrópolis.
Foi onde encontrei o André que logo me puxou para uma conversa.  Ele tinha descoberto a espiritualidade e não tirava os braços de cima de mim enquanto falava da sua alegria, do desapego ao dinheiro e coisas assim. 
De novo menti. Achei legal o que ele falou mas nada disto combinava com a minha inquietude.  Falei que precisava ir embora. Que eu teria um trabalho a ser feito em casa ainda naquela noite.
-Valeu André, bola prá frente!
Aí inventei qualquer desculpa para passar na Cidade Baixa. Quando vi estava lá, dentro de um bar em que não conhecia ninguém.  O fato de me sentir perdido ali, por estranho que pareça, me privava da minha inquietude.  Foi quando vi o Thiago, sentado sozinho numa mesa num canto, olhando para o copo. Ele não queria demonstrar que já tinha me visto.  Caminhei até lá.
- E aí Thiago.
- E aí....senta!
Mas não havia outra cadeira na sua mesa. Procurei uma por ali.  Alguém recuou um pouco a mesa ao lado para me dar espaço.
-Valeu!
Thiago continuou olhando para o copo.
Ficamos um longo tempo sem conversar, embora a música não estivesse tão alta.  Eu fiquei olhando para um pôster de um espetáculo que deveria ter passado a uns anos em Porto Alegre, num daqueles  teatros da rua da República. 
Thiago fazia pequenos movimentos batendo o copo na mesa. Agora olhava os passos de algumas pessoas que dançavam.  Algo não estava bem com ele. Achei que ele queria falar. Eu adivinhei o assunto:
-E a Carla?
Por uma hora, duas talvez, eu vibrei, eu chorei, eu senti raiva junto com o Thiago. Eu vi um filme, escutei uma história. Mais para o final da conversa, sabíamos os dois que muito pouco sabíamos sobre os porquês  das trapaças da Carla e muito menos sobre relacionamentos.  Mas falamos das nossas inquietudes, das nossas dúvidas e isso nos fez mais próximos.  Depois paramos de falar um pouco e no final do silencio eu simplesmente disse ao Thiago que iria para casa. Ele sabia que era verdade. Não marcamos data para nos vermos de novo. Cruzamos nossas mãos, nos olhamos rapidamente, eu baixei a cabeça e saí.
Estava um pouco frio na Lima e Silva. Eu protegi as  mãos no casaco e saí caminhando. Sem nenhuma verdade na cabeça mas com o sentimento de quem teve um contato humano, em Porto Alegre. Na Cidade Baixa. 
Segui pela Ipiranga, como sempre. O céu estava limpo, eu procurei pela lua que clareia, que responde.
No rádio, uma velha música do Simple Red. If you dont't know me by now....you will never, never, never know me....
Aumentei o volume e me entreguei para aquela música.
Eu queria muito ver a lua antes de dormir.  Mas não havia lua naquela noite. Era noite de estrelas. Estrelas só perguntam. Aquela música também nada respondia mas embalava minhas perguntas.
Minha inquietude talvez ainda estivesse por ali comigo, mas se confundia com a história do Thiago.  Com a história do Thiago e com a música. Me senti bem por tê-lo ouvido. E aumentei mais o volume.
...you should understand me... like a understand you.......

8/08/2011

Amanda


Hoje quero ver Amanda, não quero ler emails sobre um mundo melhor.
Que insistimos em não ver, dizem. Mas, se não é daqui então deixo pra ler depois.
PowerPoints com musiquinha hoje não.
Hoje eu quero ver Amanda, quero ver pessoas caminhando de um lado para o outro, sem saber prá onde vão, porque este é o show, porque somos assim.
Hoje quero ver o vento batendo nas árvores, hora parando, hora chovendo, sem revelar verdades, como a música que acontece por acaso e não contem certezas. Senão seria um saco.
Hoje quero ver Amanda que não é PowerPoint nem PhotoShop. Amanda não se cuida, é desajeitada. Sai correndo sempre, atrasada, lê o jornal no caminho e deixa o suco pela metade. Em seguida volta porque esqueceu a chave do carro e aproveita para pegar uma banana que vai comendo pelo caminho.
Hoje quero ver Amanda que gosta de sentar no chão e esquece de amarrar o tênis.
Amanda que comenta comigo a respeito de um barulho no carro, mas antes que eu termine de sugerir levar numa revenda Fiat e preencher um formulário, já está sentada no chão dando chutes no escapamento para ver se é de lá que vem o barulho.
Naquela hora Amanda não inspira fazer amor, talvez, mas uma vontade louca de fazer sexo com ela, ali mesmo, embaixo do carro.
Hoje eu quero ver Amanda e também quero ver lagartos e sabiás, não quero saber como é o céu.
Deus existe, sei, mas hoje ele me colocou na terra e é de terra que eu vou. Um dia não vai dar mais, Amanda terá virado poesia, para sempre.
Aí eu vou, também.

8/07/2011

Dr. Léo


Estou num sonho, no meio de uma festa. Mulheres estão exibindo seus corpos a homens excitados em devaneios com copos de cerveja na mão. Tudo é abundancia e riqueza, é um iate de luxo. Os negócios do Dr. Leo estão cada vez melhores e essa é uma festa para seus executivos e contratados.
A música e a bebida vão altas na cabeça de todos, mas o Dr. Leo permanece sereno e lúcido e começa agora a caminhar em minha direção, o que me deixa apreensivo. Isto não tem nada a ver com a festa. Estou com pressentimentos.
Ele para em minha frente, me olha sem mudar de expressão. Assinala para a varanda indicando que devo segui-lo. Meio descoordenado procuro um lugar para largar meu copo. Estaria fora do concebível não seguir uma instrução do Dr. Leo. Chegamos ao final do salão, ele abre a porta e me aponta o caminho da saída para a varanda, sem me olhar. Mas é gentil e contempla o chão onde vou passar.
Já aqui fora paro indeciso e aguardo que ele feche a porta, o que faz compenetrado, olhando para a maçaneta. A porta encosta, o volume da música diminui abruptamente, ficamos a sós na varanda e a minha apreensão aumenta. Ela me olha só o necessário, mas está sereno. Sabe que estou com medo, mas procura não valorizar isto. Agora aponta para o parapeito da embarcação e eu me dirijo para lá. Embora daqui se possa ver o mar, ele só olha para o caminho onde passo. Seria melhor se falasse alguma coisa. Olho pelo vidro e vejo que a festa lá dentro segue igual. Estou de costas para o mar, ele se aproxima, me toma pelos ombros e num movimento brusco me joga para trás. Quero gritar, não consigo. É apavorante, estou despencando. Mergulho no oceano depois de quebrar uma grossa camada de gelo que encobre o mar. Rebato-me para voltar à superfície mas percebo que estou quebrado e meu desespero aumenta. A embarcação não existe mais e eu estou sozinho. Nado, não para chegar a algum lugar, mas para não morrer congelado. Minha energia está acabando. Meu braço direito repousa apontado para frente, estou deitado na areia, talvez minha imagem final. Sinto o tato da areia na palma da mão que está estendida. Num último desespero encho o peito de ar, dou um grito surdo, enquanto a minha cabeça se levanta tentando ver o que há na frente, e ela está lá, totalmente nua.
Tem cabelos negros, soltos ao corpo, é índia ou nativa. Sua beleza é indescritível. A cor da pele é formada pelo reflexo do sol que vem da areia. Peço ajuda, agora falando mais baixo, ela já deve ter me visto. Me arrasto mais para ter certeza de ser percebido. Ela sorri mas parece dizer que já me percebeu a muito tempo. Mas não parece disposta a tomar nenhuma providência. Aumento meu volume, mostro minhas dores. Deitado de bruços na areia, aponto para o mar, com uma mão enquanto me apoio na outra. Faço-a entender que cheguei num iate de luxo, muita gente importante, houve um acidente. Mas assim como o Dr. Leo ela não olha para o mar e começa a acariciar seu corpo e eu tenho a sensação de que é a minha presença que faz isto.
Digo que estou com muito frio e que preciso de roupas secas. Mas ela insiste em não se sentir responsável por mim e parece que é isto que a deixa assim tão encantadora. Digo que vou morrer, ela vira o rosto para o sol e sem dizer nada me faz entender que são minhas roupas molhadas que me impedem de ser aquecido pelo sol.
Agora toco seu corpo com uma das mãos. Preservo a outra. Ela volta subitamente seus olhos para mim, fica mais séria e me dirige um milhão de perguntas sem exigir resposta. Eu paro, volto a ter medo, agora de conhecê-la. Ela espera, não sei quanto porque o tempo aqui não funciona. Ela fecha os olhos e observa em si mesma as sensações do toque da minha mão. Agora eu sinto a pele de seu corpo deslizar pelo meu que está lubrificado pela água que ainda não secou e que agora está aquecida. Aos poucos ela vai me tomando para si e por um instante ou pela vida inteira eu perco as referencias e passo a não me perceber mais. Sequer sei agora se o sonho que estou narrando é meu ou dela. Também não sei o quanto tudo isto está durando porque o tempo se desorganizou.
Tomo agora de volta uma das minhas mãos, enquanto deixo a outra com ela e assim o tempo se organiza novamente e passa a nos esperar. Estamos sentados, noutro lugar da ilha
comendo frutinhas vermelhas. Encanto-me com sua maneira infantil e selvagem. Ela tem cheiro de natureza, não tem modos e coloca frutinhas vermelhas em quantidade demasiada na boca e eu acho isso muito engraçado. Ela sorri descontrolada e eu me encanto mais! A seiva das frutinhas vermelhas não cabe em sua boca e começa a escorrer pelo seu corpo formando desenhos inusitados e eu me compenetro tentando decifrá-los.
Ela percebe que observo e passa a deslizar suas mãos sobre os desenhos, espalhando a tinta para me ajudar a entender. Aguarda um pouco e passa a deslizar ambas as mãos lambuzadas pelo meu corpo também, enquanto me olha, aguardando que eu entenda. Uma brisa começa a balançar os galhos próximos, ela para os movimentos e fica apreensiva pela primeira vez. O vento aumenta fazendo sua respiração aumentar. Olha-me, me segura para si, o vento nos balança e eu a protejo com uma das mãos. Uso a outra para me apoiar. Ela começa a chorar, diz que eu ainda não entendi e por isso não quer que eu vá. Uma onda mais forte de vento bate com força minha janela que me esqueci de trancar.
Tive um sonho. Que dia é hoje? Vejo se o celular está ligado. Nenhuma ligação não atendida.
O que foi que sonhei? Se não lembrar agora, depois esqueço. Os acontecimentos dos últimos dias começam a se reorganizar na minha mente. Quinze anos de contrato, eram minha referência e meu status, agora rescindidos. A quem o Dr. Leo vai contratar para resolver a segurança dos dados de suas empresas? Eu deveria ter feito incluir uma pesada multa contratual em caso de rescisão.
Vou fazer um chimarrão. Isto eu sempre vou fazer igual. Quanto vale a casa em Gramado? Vendo? Não, estaria admitindo a ruína!
Queria ver na boca de todo mundo que o Dr. Leo acabou de fazer a grande besteira da sua vida. Hackers levam empresas do Dr. Leo à ruína! Não adianta, sei que isto não vai acontecer. Ele sabe o que faz e é melhor ninguém perceber que estou pensando assim. É um dos mais reconhecidos homens de negócio que conheço. Prêmios e reconhecimentos por toda parte. Suas decisões são respeitadas por todos. É isto que mais me incomoda.
Não consigo parar de pensar nem enquanto esquento a água. Esquentar a água! Gosto disso! Algo que sonhei, mas queria ter um plano para hoje. Nos outros dias, a esta hora, eu já estava na rua, no congestionamento ao menos.
Vou ver se consigo sentar na varanda, talvez tenha uma ideia. O chimarrão é uma referencia para mim. Água quente no peito, dizem que aquece o coração. Gosto disso. Lembra água aquecida envolvendo o corpo. De onde começam a vir esses pensamentos? Será que já estou delirando? Quanto tempo minha reserva financeira aguenta? Vou dizer prá todo mundo que tenho grandes planos. Mas que diabos, não tenho planos!
Nunca olhei pela varanda a estas horas da manhã. Só vejo plantas daqui. Colocar uma floricultura? Será que dá lucro? Não conheço plantas. Vontade de chorar tomara que ninguém apareça agora. Aquele arbusto ali dá umas frutinhas, acho que vermelhas. Mas não nesta época, está frio. É uma fruta de verão. Lembro que quando criança colocava essas frutinhas vermelhas em quantidade demasiada na boca, eu não tinha modos e os outros achavam isso muito engraçado e eu me divertia muito. A seiva não cabia na minha boca e escorria pelo meu corpo, formando desenhos.