Meu irmão me enchia a paciência com e-mails e eu mandei ele ir pintar postes. Uns postes que existem no sitio onde moramos. No bairro Agronomia, em Porto Alegre. Ele e eu. Mais outros irmãos. A gente não se fala muito. Mas mandamos e-mails.
Mas o que realmente me chamou atenção num e-mail destes – não num e-mail dele, mas num e-mail meu, que eu mandei pra ele, é o fato de eu ter mandado o meu irmão ir pintar postes. Claro que é uma mensagem subliminar, poderia ser “tem telefone pra ti lá na esquina”. Isto ficou bem entendido pra vocês, com certeza. Pra mim também.
O que quero salientar aqui é a minha criatividade usada na expressão “Vai pintar os postes por aí, meu irmão!”.
Legal, né? Pintar postes! Nunca ninguém havia pedido a alguém para ir pintar postes. A não ser que fosse para ir mesmo. Se alguém ainda não entendeu, eu estava insinuando que ele, meu irmão, ocupado, (em pintar postes), teria suas mãos e cérebro ocupados, poupando-me dos seus e-mails. Não que seus e-mails eram tão chatos assim, eu até que ria, mas me sentia impelido a responder e não conseguia trabalhar. Até que achei que devia parar e um modo criativo de fazê-lo era mandá-lo ir pintar postes. Acho que agora ficou claro.
E funcionou! Ri bastante do que escrevi a ele. E ele não disse, mas deve ter rido também. Paramos por um tempo de mandar e-mails um para o outro, mas, onde realmente quero chegar não é na mensagem subliminar da minha expressão em si, como um todo. Isto parece que está esclarecido.
A questão é: porque usei a figura do poste? Porque não usei cerca, porque não usei escada? Ficaria assim: “Porque você não vai pintar uma escada?”. Muito realista. Totalmente sem graça. Ele poderia até achar que era para ir pintar uma escada mesmo! Tinha que ser “poste”. Tira poste e bota qualquer outra coisa, não funciona. Por isto, gostaria de salientar novamente minha criatividade para o emprego da palavra poste. Tenta você aí qualquer variação para o predicado. O sentido muda, a mensagem não funciona. Porque só um poste é um poste.
E olha que interessante: sendo o objeto escorcho que é, sem emoção, sem poesia, que pediu pra ser sem graça e entrou na fila duas vezes, cuja forma não varia nunca, uma coisa reta, que só funciona na vertical, que parece um risco em 3D, que congrega os atributos de inflexível, ridículo, símbolo de improvisação, não se move com a nossa presença, profundamente antiestético e deprimente. Mas foi útil no sentido de ser empregado num texto que sugeriu a meu irmão que eu estava ocupado e que, portanto, parasse de ficar me enviando e-mails engraçadinhos no meu horário de trabalho. Nenhum outro objeto abrigaria o conteúdo exato do que eu queria dizer.
Já parou para pensar num poste?
Nunca, tenho certeza.
Mas a questão mais sutil e que deve ter tirado o combustível do meu irmão, te-lo intrigado e ainda assim te-lo divertido ou, de uma forma ou de outra, parado de discutir picuinhas comigo por e-mail é: porque um poste precisa ser pintado?
Com o complemento, ficou perfeito!
Porque, se um poste já é antiestético, imagina então um poste pintado de amarelo, por exemplo. Qualquer outra cor piora. E como um poste normalmente tem mais de 2 metros de altura e ninguém consegue pintar a uma altura maior que dois metros, a não ser que o poste esteja caído, certamente iria ficar somente com a parte de baixo pintada, o que o tornaria ainda mais, ridículo e obsceno.
Tchê, fica um tempo pensando como o nome “poste” é adequado para o objeto que representa. Poderia ser boste, mas ficaria parecendo outra coisa e aí faltou coragem para o inventor. Mas no fim ficou perfeito, porque quando a gente pronuncia bota um pouco de indignação, aperta os lábios quase cuspindo e diz...pposte! Esta pposta na minha frente!
Você consegue ficar inspirado quando vê um poste? Que diabo de idéia lhe ocorre quando está à frente de um poste? Não quer pensar nisto, tudo bem. Mas não venha me dizer que sente qualquer espécie de romantismo. Acho que não! Se sente, melhor analisar o que um poste lhe inspira. Porque no geral ninguém gosta de postes. Postes a gente tolera. Jamais você ouvirá alguém dizer: estou feliz, comprei dois postes para minha casa! Aproveitei a promoção e comprei dois. Vou por um na frente e outro nos fundos.
A gente vive neste paliteiro e ninguém jamais fez graduação em técnicas de instalação de postes. Porque não precisa. Porque não tem o que ensinar a respeito. Um poste a gente pega e finca. No manual de instruções de um poste está escrito: capitulo 1) Pega. Capitulo 2) Finca.
Obrigado por ter escolhido o nosso poste!
Quando não tem solução para alguma coisa, logo chega alguém e diz: tem que botar um poste. Mete um poste que resolve por enquanto. Fazendeiros que gostam de mostrar que tem uma propriedade e não sabem como mostrar onde começa, onde termina e onde se entra, botam um poste bem grosso no lado direito da entrada. No lado esquerdo, um outro poste.
Alguma coisa caindo? Bota um poste por enquanto.
Você passa lá três anos depois e o poste continua. Mais fincado do que antes. Ou você já viu um poste desistir de alguma coisa? Alguma vez um poste já saiu da sua frente?
Aqui na minha rua, semana passada um carro invadiu uma casa. Sabe como resolveram o problema? Botaram um poste na frente. Se um outro carro quiser invadir, vai ter que bater no poste primeiro.
Entendeu né, a riqueza da minha mensagem ao meu irmão. Um poste pode ter conteúdo.
Não agüento mais emails de auto ajuda montados no Power Point, com música do John Lehnon tocando no fundo, pra parecer que é poesia.
Onde fica nossa literatura?
Alguém precisava escrever sobre postes.
Porque falar de flores é fácil.