About Me

My photo
Trabalho com TI, sou preocupado com questões ambientais.

9/25/2010

Transgressões e Palavrões.

Tenho andado por aí procurando um trilho. Já achei várias vezes, mas me duram hora, duas. Meses talvez. Ou acabam simplesmente.

Tenho andado à procura de algo que dure para sempre. Talvez um acordo comigo mesmo. Contigo, talvez. De tempos em tempos acho o que estava procurando. Me inspiro numa verdade maior, mais abrangente e que transcende inspirações anteriores. Marcam época, aquietam. Por hora, duas. Meses talvez.

Mas os trilhos sempre acabam ou enjôo de andar neles . Aí lembro que um dia alguém me disse ou ouvi num filme que Deus seria alguém muito divertido e que ria muito enquanto tentávamos acertar. Mas que nunca havia dito nada.

Já me disseram muito sobre Ele. Melhor, sobre sua vontade! Por isso sou ateu convicto. De vez em quando. Até que os trilhos acabam.

Inspiração súbita: desistir. No sentido divino, claro. Meus desejos e idéias dando lugar ao respeito e à sintonia com os outros. Nesta hora passo a entender tudo. Percebo que eram minhas imposições que me arruinavam! Olho pela janela e vejo que o mundo agora está quieto. Em paz absoluta sem nenhuma intervenção minha. E o mais surpreendente: ninguém contestou minha decisão. Uma brisa de ar morno e perfumado envolve o meu corpo e eu me percebo completo e simples. O ar me acaricia, sem me julgar. E aí vem a lucidez maior: posso encarar as coisas e as pessoas assim também! Bastou observar o vento. Enfim, o acordo chegou! Existe como viver bem aqui!

Me surpreendo com a lembrança daquela amiga que a dois atrás me falou em sinais. Eu não dei a mínima, mas agora percebo o que ela queria dizer.

Idéias agora são claras! Dou forma a elas e começo a escrever. Posso levar isto adiante. Está ficando bom! Quem sabe um título assim: "O Vento me Falou". Com certeza vou receber e-mails dizendo que o meu texto está ótimo!

Pronto, acabaram os trilhos!

Lá estou eu de novo atormentado a ajudar os outros e recebendo aplausos. Se dispenso os aplausos me sinto mais professor ainda. Tudo o que eu não queria.

Minha janela já está batendo de novo com o vento, o mundo não está mais quieto e acho que meu computador pendurou.

Vou me socorrer naquele meu acordo, que fiz a pouco. Onde foi que o guardei? Lembro-me vagamente que queria abandonar meus conceitos. Com a condição de que ninguém mais me enchesse o saco.

Aí largo tudo e vou ver se não está na hora de trocar os pneus do carro. Melhor fazer alguma coisa que de resultados. E eu ando muito desorganizado. Trocar os pneus me dá mais segurança do que escrever verdades.

Poderia ir ver meu guru. Mas ele diria "quem sabe você admite que é livre!"

Não vou agüentar vê-lo de novo naquela expressão contemplativa, imperturbável, enquanto eu esbrajevo que ele não entendeu bosta e que neste preciso momento eu quero escolher não escolher.

Eu quero um mestre! Eu quero um acordo comigo que não tenha prazo de validade!

Eu quero um trilho. Dizem que todos temos uma lenda. Quero saber da minha. Aí percebo que tem alguém rindo. E um guru me olhando.

Então não existem trilhos, é isso? Se alguém tem que querer alguma coisa sou eu, certo? O meu guru agora pensa que também é Deus. Não fala nada. Se faz de vento.

Curte os trilhos enquanto neles, me diz ele. "Curte o projeto e não a casa depois de pronta". Essa é velha, descobri logo depois que entrei pro Seicho No Ye. Se existem coisas em minha volta que o meu tato percebe é porque deve existir algo que devo fazer com elas. E este negócio de contemplação só é possível quando estou cansado de lutar por alguma coisa. E afinal alguém precisa fazer alguma coisa para ser contemplada.

Sabe o que me ocorre nestas horas? Transgredir. Só pra ver se Deus, meu guru ou o vento saem da inércia e quem sabe, se perturbam. Quando alguém se perturba, sempre dá um recado.

Me ocorre, por exemplo dizer que vou começar a me considerar promiscuo só quando pratico o que não me dá prazer.

Será que o vento daria uma rápida estancada, um pouco assustado, para prestar mais atenção no que estou dizendo? Bem, eu já teria conseguido o primeiro resultado!

Dizer que vou passar a chamar de prostitutas ou prostitutos as pessoas que fazem sexo após analisarem as qualidades do parceiro. Aos que transam de forma inconseqüente, por prazer apenas, seriam para mim os espirituais. Aí pausa para as considerações do meu guru.
Talvez se mexa na cadeira e me peça prudência. Seria a minha realização!

Até ouvi-lo dizer que devemos evitar bagunça. Ouvi-lo falar em boas maneiras, regras. Aí eu poderia retrucar: "Relaxa, mestre!" Ou admite que tua contemplação prescinde das minhas tentativas.

Quero relaxar também, pois sempre acreditei que alguma coisa não fecha nas famílias modelo. Nunca entendi porque passar a vida inteira ao lado de alguém, lucrando com as vantagens auferidas pelas suas boas qualidades, é perfeitamente natural. Mas fazê-lo por meia hora apenas é putaria. Seria porque no primeiro caso existe planejamento e no segundo não?

Embora algum religioso certamente iria intervir, dizendo que não é bem assim, que não se pode radicalizar, não se trata de negociar o corpo. Que o corpo é sagrado. Estariam em pauta, então, as coisas da alma! A alma pode! Aí não é só fim dos trilhos, é o fim da picada.

Aproveitando que perdi a elegância, direi que passarei a invadir a privacidade dos meus vizinhos. Deles certamente ouvirei algo já que Deus insiste em não falar. Quem sabe meus mestres são as pessoas que me rodeiam!

Que passarei a por cadeiras na calçada, bagunçando o fluxo. Os transeuntes me dirão se preferem organização ou conversa.

Que perderei os bons modos, sairei da frente da TV e passarei a cantar na janela. Talvez alguém me peça silencio. Talvez não.

Que passarei a desrespeitar totalmente os avisos de não aceitar ajuda nos caixas eletrônicos dos bancos.
E que não mais preencherei o silencio quando o assunto acaba.
Que evitarei usar ternos e começarei a cumprimentar desconhecidos. Que vou maneirar no bom senso, não negociarei e farei um escândalo em público a próxima vez que presenciar uma agressão ao meio ambiente.

Que não vou mais atenuar discussões e nem separar brigas. Porque acho que separar brigas é bossal e perder a compostura com a intenção de entendimento não é.

Direi que vou passar a aceitar todas as gentilezas que me oferecem, inclusive um pedacinho de bolacha de uma criança. Porque me parece que o mundo está mais à cata de agradecidos do que de caridosos.

Que vou passar a ser menos família e vou começar a me comunicar mais com as esposas e filhos dos meus amigos. Porque quero ver o que acontece. No máximo vai ser mais um escândalo.

E que também vou passar a ser menos profissional. Cliente sempre tem razão uma ova. Se alguém me ofender vou demonstrar. Afinal não fiquei rico até agora fazendo tele vendas. Direi a meu guru que não vou mais seguir etiquetas. Que vou ser gentil sempre que estiver me sentindo bem e se possível ficar quieto quando não estiver.

Que vou passar a ser imprudente e parar de pedir que assinem embaixo tudo o que me prometem.
Que vou ficar longe de livros da auto ajuda. Que vou ser insensato e sair por aí cometendo loucuras. Sair com mulheres da vida, ouvir música e ler poesias.

Vai ser o fim da picada. Não vou mais precisar de trilhos.